segunda-feira, outubro 08, 2007

Um convite do EscreverEscrever para escrever...

O pano cobria a parede daquele canto, tornando-se cumplíce dos anos perdidos e guardados nela, através de pinceladas de uma humildade densa e escura. A tristeza daquele espaço ganhava aí o seu início. Tacos encarquilhados de uma madeira morta e vivida por outros tempos, definiam caminhos num chão silencioso e desconfiado. Apenas algumas palpitações de luz emergiam de um telhado abandonado, contornado por gerações de pó e camadas de memórias às quais não podia dar voz. O vento conversava na rua em frente, dançando com as portadas e abraçando o único cortinado que se mantinha ali. Sem bainha feita, deixava-se escorregar pelo velho soalho, como que uns pés de bailarina no silêncio dos seus movimentos. De um azul intensamente desbotado e estampado com finos decalques de pequenas flores, o cortinado subia até um tecto gasto e marcado por antigas pinceladas sem sentido, onde a aguarela há muito que se havia perdido. No seu centro, um candeeiro de latão poeirento observava, balançando lentamente todo o seu corpo como que aceitando a intromissão do vento que sussurrava. Mesmo por debaixo do candeeiro, uma sonolenta poltrona espreguiçava-se timidamente. Amassada nas costas e de braços esfolados, por uma vida inteira de aconchegos e companhia em silêncio. A cobrir-lhe o colo, uma manta amarelo aguado, de pontas rasgadas, enrroscava-se como se só ali a vida lhe pertencesse. Uma das pontas encontrava-se caída ao longo de toda a poltrona, tocando delicadamente num taco escuro e mirrado pelo sol, que tantas vezes o procurava através daquelas portadas.
Sempre abertas.
Por onde eu podia observar tudo.

Patrícia Paisana Martins

2 comentários:

sao disse...

Uma aguarela, o teu texto.Deixo os olhos pousarem no texto e quase sinto o cheiro do ambiente que tão bem descreves. Foi escrito a partir de quê, lembras-te?

Patrícia Martins disse...

Olá São.
Começei a escrevinhar isto assim um pouco à toa, apenas me lembrando de um cortinado antigo da casa da minha avó materna, que só conheci em fotografias.
Enfim, apenas me apeteceu descrever descrever descrever uma parcela disso...