sábado, março 10, 2007

Dia 10: Primeira Proposta de Escrita

Não "porque hoje é Sábado" como cantava o Vinícius de Morais, mas sim porque é dia 10, lanço a primeira proposta de Escrita. A cada dia 10, uma nova proposta para escrever em 10 minutos. Os batoteiros estão desde já perdoados, embora o que se pretenda seja exactamente o produto de uma escrita livre e espontânea.

Então, sem mais blá-blá, aqui vai:

"Lá fora já cheira. O calor vem aí. Abram a janela de casa, abram a janela da memória e sintam este cheiro. A seguir façam uma lista. Uma lista de tudo aquilo que este cheiro evoca. Uma lista daquilo que depois dos meses de inverno, têm saudades, daquilo que vos apetece fazer. Já, agora. Possível ou impossível, pouco importa. Fechem os olhos, sintam... O que importa é deixarem-se levar e escrever. A seguir, releiam esta lista e apartir daí, durante 10 minutos...escrever! E está a contar. "

Têm até ao próximo dia 10 para enviarem o vosso texto. Vou afixando à medida que os receber. E no próximo dia 10, há mais!

7 comentários:

Anónimo disse...

Olá São!
Só hoje é que vi a proposta de escrita. Prometo que vou tentar escrever escrever.

Beijos e parabéns pela iniciativa.

P.S - Aposto que não sabes quem sou eu, ai ai... lolol

sao disse...

O tempo vai aquecendo e as respostas começam a surgir. Já recebi algumas. Pedia-vos que as enviassem directamente para o blog como comentários. É possível, não é?
Obrigada e beijinhos!

sao disse...

Annuska????Uma Ana que congelou no inverno? Pois, não vou lá...se me deres umas pistas, quem sabe! Bjs!

Anónimo disse...

Em resposta ao desafio de escrita de 10/3/07, elaborei o texto seguinte, com muita batota…

O carapeteiro
Abro a janela do quarto. Lá fora o dia está luminoso. A colina além está coberta de verde, matizado de faixas irregulares brancas e vermelhas. Ouve-se o gorjeio contente de um melro. O cheiro é de Primavera. Os olhos internos levam-me automaticamente a ver os campos da minha infância. Sinto os cheiros intensos e diferentes que me envolviam à medida que progredia pela encosta de pousio ou pela beirada, atafulhada de forragem e depois de milho, junto à ribeira. Conhecia os pássaros pelo chilreio – o picanço, a milheirinha, a «trinta raízes» de que nunca soube senão a alcunha.

Como gostava de reviver esses tempos! Não apenas voltar aos lugares, que esses já os visitei dezenas de vezes, mas voltar àqueles espaços e encontrar lá as mesmas pessoas que os habitavam, tal como eram na década de sessenta.

A minha memória já não é o que era mas sei que só ela me pode lá levar. São os cheiros que me colocam na beira da levada que exploro com a curiosidade à solta de um miúdo de uns doze anos. Progrido pelo meio das mais variadas plantas. Aquela, carnuda e viçosa, de flores brancas estreladas é venenosa, ensinou-me o meu pai, esta, de pequeninas flores brancas tem um aroma floral activo e estimulante.
De chofre, um sobressalto de asas batidas em voo baixo. Que foi isto? Ah, uma perdiz! Saiu daqui, desta abertura na folhagem. Espreito e lá está a causa daquela presença inesperada – cinco ovos numa suave concavidade.

Nesta viagem de memória, que vejo perto dali, na encosta? Um carapeteiro. É um arbusto espinhoso sem préstimo agrícola. Sim, para quase toda a gente. Para o meu pai, no entanto, foi oportunidade para uma experiência botânica, ou porque a tivesse aprendido com algum vizinho ou porque a criatividade natural, em pessoas que estão habituadas a domesticar o mundo, a isso o incentivou. Na época adequada, enxertou o carapeteiro de pereira. Arranjou uns galhos de uma variedade que lhe agradou e afiou-os em bisel. Cortou dois ou três ramos do carapeteiro e fez um golpe longitudinal nos caules. Depois, enfiou cada bisel em cada golpe, assegurando-se que a casca do carapeteiro tinha continuidade na casca do ramo de pereira. Cada conjunto foi bem atado e envolvido por um saquinho de serapilheira cheio de terra húmida, para preservar alguma humidade nas cascas e não as deixar secar. É a chamada enxertia por garfo.
Estranho ou não, as pontas saídas dos galhos de pereira ganharam «olhos» e folhas e no ano seguinte deram três ou quatro peras. Eram mais lenhosas que as peras que eu conhecia, mas tinham um leque de sabores subjacentes inesperados e requintados. Era bizarro ver um arbusto com dois tipos de folhas e dois tipos de frutos tão díspares e causava admiração que as características agrestes da cepa se revelassem em frutos aparentemente tão apurados. O fenómeno era motivo de orgulho para o meu pai que o mostrava a todos os visitantes. Alguns olhavam-no com um misto de receio e admiração, como se estivessem perante um mágico. A mim miravam-me como que à espera que as minhas grifas eriçadas fossem penas.

Ou porque as novas exigências de água não podiam ser conseguidas na encosta seca onde vivia o arbusto prodigioso, ou por qualquer outro motivo, o certo é que o carapeteiro que dava peras secou pouco depois.

Durante anos, cada vez que me lembrava, sentia uma certa nostalgia por esse ser tão especial. Pensava que o tinha perdido para sempre até que vim a encontrá-lo em Lisboa, em forma de mulher. Dava peras, como todas as pereiras, mas não eram peras doces. Eram rijas, e concediam um complexo conjunto de sabores silvestres que eu quase tinha esquecido. Desta vez, não o deixei secar. Criei um pomar à minha volta e coloquei o carapeteiro no meio dele.

Fecho a janela. Espirro. A viagem à Primavera da minha memória durou poucos minutos mas acho que bastaram para me constipar.

sao disse...

Aqui vai o primeiro texto que recebi. É do Tiago Simões que terminou o mês passado o curso de Escrita Criativa. Aqui vai!

O cheiro do passado


Ricardo abre os estores do quarto e entra na varanda. Abre depois as persianas e a janela. O sol está a nascer lá fora, são sete da manhã.
De repente, sente-se com 15 anos e parece que o sol brilha como nessa altura. Ricardo sabe que não poderá brilhar como há mais de uma década atrás, porque então estava apaixonado. A não ser que se cruzasse com a mesma pessoa e sentisse o mesmo cheiro.
O cheiro da chuva já se foi, bem como o da terra molhada. Com a chegada do sol, quase sente um cheiro a água e a areia do mar, mas é apenas uma leve impressão, pois o frio aperta e ainda não há tantas andorinhas quanto isso.
Cheira-lhe mais a frio e a camisolas de lã. Mas já não lhe cheira a camisas de flanela e a naftalina, pois já não há temperaturas tão próximas dos zero graus. Apenas algumas pessoas continuam a parecer blocos de gelo.
Ricardo pára de olhar lá para fora, para o infinito que parece ser aquela sua rua, perpendicular a uma outra, e volta para dentro. Dirige-se à casa de banho e desfaz a barba. Toma banho e depois o pequeno-almoço. Regressa ao quarto de higiene para lavar os dentes.
Regressa ao seu quarto e veste-se. Quer pôr o perfume que usava com 15 anos, o perfume que a deixara louca a ela e também às outras que não o deixaram louco a ele. Mas não se lembra do nome da fragrância, nunca mais se lembrou. É uma pena, embora fosse capaz de reconhecer aquele odor se ele lhe aparecesse à frente do nariz. Ou mesmo longe dele.
Lembra-se também de quando punha o perfume do pai dela, quando os pais não estavam em casa e ele tomava lá banho. Ela adorava. O perfume e o gel do pai, que abusador era o Ricardo. Mas ficava mais atraente e Diana gostava.
Hoje, acaba por pôr o seu perfume, que também cheira bastante bem, e sai de casa na direcção do liceu onde ambos estudaram. Está parado no sinal e lembra-se daquela vez em que ainda não namoravam e sentiu o perfume dela enquanto esperava que a luz verde para os peões abrisse. Lembra-se como se fosse hoje.
Não está tanto frio como há 12 anos atrás nem cheira tão bem quanto cheirava o frio desse tempo, mas Ricardo lembra-se do perfume dela. E lembra-se do cheiro do seu sorriso, do cheiro dos seus cabelos, do cheiro do seu andar. Assim como se lembra do brilho do sol de Verão e das idas à praia, onde corriam com o pai dela na areia molhada, enquanto a cadela, entretanto falecida, ia à água com a irmã. Era a única altura em que o cheiro a mar se superiorizava ao cheiro natural dos caninos!


TIAGO SIMÕES

sao disse...

Outra contribuição, desta vez da Alexandra. Intitula-se:

"Sol às dez"

- Amanhã o sol vai nascer às 10.
- És mesmo tonto.
E seguiram, cada um para seu lado. Ele certo daquela afirmação. Ela a sorrir de tamanho disparate. O dia acabou sem que se falassem, sem que voltassem a tocar naquele final de conversa e de namoro. Encontrar-se-iam no dia seguinte, sob um qualquer pretexto que não vinha ao caso, ali mesmo. No jardim em que se haviam conhecido e partilhado madrugadas de insónia, entre goles de cerveja e beijos. Ela acordou tarde, quase atrasada para o reencontro sem razão. Ele saiu de em cima da hora, a tentar lembrar-se do tal motivo para a voltar a ver. A manhã estava quente, a adivinhar o Verão que não tardava. Ela deixou o casaco em cima da cama. Ele trocou as botas pelas sandálias. Chegada à entrada do metro, ela esperou. Ele subiu as escadas, com uma enorme cartolina laranja preenchida por um sol sorridente desenhado a caneta de feltro.
- Não te disse? Por que nunca acreditas em mim?
- Chegaste atrasado, são 10 e cinco.
E seguiram, cada um para seu lado. Ele certo da separação. Ela a chorar por também não estar errada.

Alexandra

catatau disse...

Evoco a minha memoria desses dias do passado, em que eramos felizes só de andar de bicicleta com os amigos no parque da cidade.

Sob a supervisão atenta das Avós, embrenhadas no labor das suas rendas e conversas avulsas de ocasião com as avós dos nossos amigos.Maratonas de renda, troca de amostras da colcha para o enchoval de uma neta casadoira.

Paz interrompida com os nossos gritos e a alegria das brincadeiras de criança.Ou com o susto de por momentos não nos ver quando nos afastavamos para lá do limite permitido, acordado ou imposto pelo angulo de visão do banco de jardim.

Perna-de-pau em riste a derreter na mão,para o queixo, camisola e chão.
Com os calores do Alentejo em dias Primaveris.

E o caminho de regresso a casa para o lanche apetecido, torradas, leite com Ovomaltive, onde ensopavamos o pão a escorrer.

Memórias de uma avó materna que nos deixou, vitima do destino da vida.

Primavera de vida, ou dos cheiros de uma casa velha, que já foi minha...(Invocando a cidade de Régio)

Jorge

Jocagus64@gmail.com